Vender o ventre no DF pode valer até R$ 400 mil, apesar de ilegal que leva uma mulher a dar à luz ao filho e depois entregá-lo a outra pessoa, sem nenhum remorso? A resposta de Verônica (nome fictício) é seca: “Cem mil reais”. Esse é o valor que a jovem, loira, alta e dona de um belo corpo, cobra para ficar grávida de uma criança que nunca será sua. Assim como Michelle Ross, de 28 anos, que emprestou seu ventre para gerar os gêmeos da atriz americana Sarah Jessica Parker, de 44 anos, Verônica também decidiu adotar a prática da barriga de aluguel para engordar a conta bancária.

Como no Brasil a Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina (CFM), prevê que a gravidez de substituição seja feita apenas entre pessoas com parentesco até segundo grau, desde que não envolva dinheiro, a bra-siliense decidiu anunciar sua barriga de aluguel na internet, por considerar um meio mais difícil de er fiscalizado. Num site de classificados gratuito, ela elenca seus atributos. “Tenho 32 anos, casada, 1m83cm de altura, magra, branca, atleta, sem vícios, situação familiar definida, três filhos, sendo um casal de gêmeos. Alugo minha barriga para aqueles que não podem ter um filho. Valor a combinar, sigilo absoluto”, diz o anúncio, seguido do e-mail e telefone de contato.

Assim como ela, milhares de mulheres alugam suas barrigas na grande rede. O Jornal de Brasília encontrou 41 anúncios só da capital. O valor para gerar uma vida varia muito. Vai de R$ 60 mil a até R$ 400 mil. O JBr conversou com quatro mulheres: duas por telefone e duas pessoalmente. Verônica é a única que não passa por dificuldades financeiras. Funcionária pública dos Correios e Telégrafos, ela diz não ter uma motivação forte. “Quero aplicar o dinheiro para fazer algo interessante no futuro”, diz a moça, que também é jogadora de vôlei. Ela diz ter certeza que não criará nenhum laço afetivo, caso gere uma criança nessas condições. Para que o bebê saia do hospital já com a filiação dos pais “clientes”, ela sabe como proceder: “A coisa mais fácil do mundo é conseguir uma identidade falsa”, admite.

No Brasil, apenas Minas Gerais e São Paulo permitem a prática da barriga de aluguel sem que haja parentesco, mas desde que seja de caráter solidário e nunca financeiro. A promotora da Infância e Juventude Leslie Carvalho defende que a família biológica deve ser privilegiada e alerta que, quem recorre ao método fora dos padrões da resolução do CFM, incorre em crime previsto no artigo 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que pune com pena de um a quatro anos de reclusão aquele que “Prometer ou efe-tivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa”. “É para evitar o comércio de seres humanos”, afirma a promotora.

Negócio envolve afeto e riscos

A promotora Leslie Carvalho-ressalta que uma gravidez gerada mediante pagamento pode, inclusive, causar conflitos de identidade na criança, principalmente quando ela se tornar adolescente. “Toda criança tem direito a conhecer sua origem genética. Essa criança pode perceber traços diferentes e querer saber quem realmente ela é. Isso pode ser muito prejudicial para sua formação e vida”, diz a promotora.

A opinião do ginecologista, mastologista e membro do Conselho Regional de Medicina do DF (CRM/DF), Farid Buitrago, é semelhante à da promotora. Ele defende, ainda, que os casais impossibilitados de ter filhos, recorram à adoção. “Há uma filha enorme de adoção e esse é o caminho mais aconselhável para quem quer ter filhos”, diz Farid.

LAÇOS FORTES

Ele lembra que a barriga de aluguel pode abalar profundamente a mãe biológica. “Durante a gestação, a mulher é o centro das atenções. Já acompanhei casos de mulheres que estavam dispostas a doar o filho, desistiu da ideia após a criança nascer. Sem contar que a pessoa que faz disso um negócio pode ter sérios problemas de saúde quando a idade avança”, afirma o especialista.

Farid esclarece que o Conselho Regional de Medicina do DF (CRM-DF) pode autorizar a gravidez de substituição entre não-parentes, desde que o requerimento seja feito com antecedência. “Se a pessoa não tiver parente até segundo grau disposto a se submeter, ela pode pedir uma solicitação ao CRM, que irá analisar o caso. Mas também não é permitido o envolvimento de dinheiro”, completa o médico.

O assunto é tão delicado que são poucas as pessoas que possuem conhecimento aprofundado sobre o tema. A pós-doutora em Bioética e professora da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz, fala com propriedade sobre o assunto.

Para Débora, a cessão de útero com transação financeira, não pode ser entendida como uma mercan-tilização simples. A mercadoria envolvida (uma futura criança) não é um bem neutro, despersonalizado para a história das mulheres e homens envolvidos. “Em geral, a transação ocorre entre um casal e uma mulher em condições desiguais de poder decisório. Se é possível reconhecer algo em comum entre os casos noticiados de barriga de aluguel, a mulher que gesta o feto é uma mulher jovem e pobre”, observa Débora.

Ela também concorda que a gestação de aluguel pode causar sofrimento para a mãe biológica. “Pode ser decorrente de arrependimento, de vinculação afetiva após o nascimento e estabelecida durante a gestação. O fato é que essa não é uma transação isenta de desafios éticos”, complementa a professora.

APOSTAS NA LOTERIA DO ÚTERO

A microempresária Jussara (nome fictício) é outra que pretende usar a barriga para ganhar dinheiro. Dona de um salão de beleza no Guará, ela pretende passar nove meses levando um filho que, ao nascer, vai para a casa de outra família. Em troca, Jussara pede R$ 100 mil. O dinheiro será aplicado na reforma da casa. “Iniciei a reforma há algum tempo e não consigo terminar. Sou mãe solteira e esse dinheiro vai ajudar a dar um futuro melhor a minha filha”.

Quanto à curiosidade que a possível gravidez pode despertar nos familiares e amigos, ela se sente preparada. “Minha família já está ciente. Quanto às outras pessoas, vou falar para quem eu acho que devo. Não estou preocupada com o que as pessoas falam. Não devo satisfação a ninguém”, conta.

A única pessoa que ela teme conversar sobre o assunto é com o pastor da igreja. Evangélica, Jussara tem medo de não ser aceita na congregação que frequenta. “Coloquei o anúncio na internet há 15 dias. Até agora não apareceu ninguém interessado, mas se aparecer eu não sei como vou falar isso ao pastor. A bíblia diz que quando o coração não condena, então não há pecado. Acho que vou realizar o sonho de um casal e estou bem decidida”, justifica.

A decisão de “fazer” barriga de aluguel foi amadurecendo aos poucos na vida de Jussara. Após ouvir a história do cantor Rick Martin, que recorreu ao método e hoje cria gêmeos, isso a influenciou bastante. Após pesquisar, resolveu emplacar a seguinte frase na internet: “Tenho 34 anos, uma filha, boa saúde, mãe solteira e não tenho vícios. Não quero nenhum vínculo com a criança nem com os pais após o nascimento, pois espero que o casal seja muito feliz!”.

A história de Adriana é bem mais dramática. Desempregada, mãe solteira de quatro filhos e moradora da Ceilândia, ela pede R$ 200 mil para sair do sufoco. “Meu interesse é só financeiro. Não quero contato nenhum com a criança e tenho certeza que não criarei nenhum laço afetivo com o bebê. Digo isso porque mais um filho na situação em que estou me deixaria infeliz. Estou passando por necessidades, dependendo de ajuda para sustentar minhas crianças e espero que apareça alguém logo disposto a pagar o que estou pedindo”, confessa.

PRIMEIRO BEBÊ
Marco da ciência, a inglesa Loui-se Brown, foi o primeiro bebê de proveta do mundo, nascido em julho de 1978 e o pontapé para um grande mercado de fertilização in vitro. O método consiste na fecundação do óvulo em laboratório e na transferência do embrião para o útero.
No início dos anos 80, a chance de uma gravidez artificial vingar era de apenas 5%. Hoje, é oito vezes maior. Apesar de o Brasil limitar a prática, em alguns países a barriga de aluguel não é discriminada. Nos estados da Flórida e Califórnia (EUA), permite-se a remuneração. A Índia também libera em qualquer hipótese as incubadoras humanas mediante pagamento.


Fonte: Jornal de Brasília

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