No Brasil, os atestados de óbito eram emitidos em via única e no próprio receituário médico, foi Oscar Freire, em 1919, quem fez gestões à então Sociedade de Medicina e Cirurgia para que o atestado de óbito fosse emitido em duas vias. Pois, até então, o documento era emitido em via única no próprio receituário médico. A partir de Oscar Freire, permitiu-se aos serviços epidemiológicos a elaboração de estatísticas de mortalidade com maior precisão.
O modelo internacional padronizado de Declaração de Óbito – DO, instituído por ocasião da Sexta Revisão da Classificação Internacional de Doenças em 1948, passou a vigorar no Brasil em 1950. Atualmente a Declaração de Óbito constitui-se em um impresso padronizado fornecido pelo Ministério da Saúde, em modelo único contendo três vias. Ela está subdividida em nove campos, a parte essencialmente médica é identificada como campo V. O atual modelo foi acrescido da linha “d” na Parte I do campo VI e foi adotado pelo Brasil em 1996, com a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10.
No capítulo V, que trata das condições e causas do óbito, em especial no campo 40, nota-se a divisão quanto as causas da morte em Parte I e Parte II. A primeira se refere a doença ou estado mórbido que causou diretamente a morte, ou seja, a causa imediata de morte que deve ser anotada na linha “a” do campo 40 da Declaração de óbito. Em seguida, nas linhas “b”, “c” e “d” temos a cadeia de eventos em ordem de antecedência até a causa base da morte. Por fim, nas duas linhas da Parte II, devem constar outras condições significativas que contribuíram para a morte, todavia, sem pertencer a cadeia direta de eventos que resultaram no óbito.
Para os casos de morte envolvendo a COVID-19 é fundamental quando do preenchimento da DO atentar para dois aspectos:
1. Primeiramente se faz necessário diferenciar casos suspeitos dos confirmados da doença.
2. Em segundo lugar, é indispensável esclarecer se a COVID- 19 é causa do óbito ou se apenas contribuiu para a morte, ou seja, se é causa ou concausa.
Nesse sentido, deve o médico registrar COVID-19 na declaração de óbito quando a doença for confirmada. Entende-se por diagnóstico confirmado o laboratorial ou o clínico quando a confirmação laboratorial é inconclusiva ou não está disponível. Para os casos suspeitos, não confirmados, deve-se fazer constar na linha “a”: Insuficiência Respiratória a esclarecer ou Morte a esclarecer. E na linha “b”: Suspeita ou Provável COVID-19. Existindo comorbidades ou outras condições significativas que possam ter contribuído para o evento morte, poderá o médico preencher a Parte II, por exemplo: Diabetes Mellitus ou Hipertensão Arterial Sistêmica. É mister lembrar, que quando a Declaração de Óbito assinada pelo médico assistente consta a esclarecer, compete a vigilância epidemiológica acompanhar a evolução post mortem do caso para o aditamento da DO quando conclusos os meios diagnósticos de confirmação da doença.
Vejamos alguns exemplos:
COVID-19 confirmada:
Parte I: a) Doença respiratória aguda, CID10: U04.9
b) COVID-19, CID10 U07.1 (ou U07.2)
c)
d)
Parte II: Diabetes Mellitus, CID10: E14 Hipertensão arterial sistêmica, CID10: I10
COVID-19 suspeita, porém, não confirmada:
Parte I: a) Insuficiência respiratória a esclarecer
b) Provável COVID-19
c)
d)
Parte II: Diabetes Mellitus, CID10: E14 Hipertensão arterial sistêmica, CID10: I10
Como já mencionado, o segundo aspecto relevante é se COVID-
19 foi mesmo a causa da morte ou se contribuiu para a morte sem obrigatoriamente pertencer a causa base, vejamos outro exemplo: Diabético insulinodependente e hipertenso (HAS), descompensou do Diabetes, adquiriu de forma confirmada COVID-19 e morreu de hiperosmolaridade.
COVID-19 como concausa relativamente independente:
Parte I: a) Hiperosmolaridade, CID10: E87
b) Diabetes Mellitus, CID10: E14 c)
d)
Parte II: COVID-19, CID10: U07.1 (ou U07.2)
Hipertensão arterial, CID10: I10
Por fim, lembra-se que a Declaração de Óbito é documento de cunho essencialmente epidemiológico, cujas informações consignadas são indispensáveis para a produção das estatísticas de mortalidade, concorrendo diretamente para a identificação do processo mórbido e assim promovendo o conhecimento do perfil saúde-doença. Nesse sentido, o médico tem responsabilidade ética pelo correto preenchimento e pelo conteúdo das informações registradas no documento, com especial atenção aos preceitos legais e epidemiológicos vigentes.
Referências:
DIRETRIZES PARA DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA COVID-19. Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde – SCTIE, 6 de abril de 2020.
PROTOCOLO DE MANUSEIO DE CADÁVERES E PREVENÇÃO PARA DOENÇAS INFECTO CONTAGIOSAS DE NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA, COM ÊNFASE EM COVID-19 PARA O ÂMBITO DO DISTRITO FEDERAL. Governo do Distrito Federal. 26 de março de 2020.
MANUAL DE INSTRUÇÕES PARA O PREENCHIMENTO DA DECLARAÇÃO DE
ÓBITO. Ministério da Saúde. 2011. Disponível em: http://svs.aids.gov.br/download/manuais/Manual_Instr_Preench_DO_2011_jan.pdf, acesso em: 06/04/2020.
ATESTADO MÉDICO, Prática e Ética. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP. 2013. Disponível em: https://www.cremesp.org.br/library/modulos/publicacoes/pdf/atestado_medico_pratica_ etica.pdf, Acesso em: 06/04/2020.
MANEJO DE TRATAMENTO PARA PACIENTES COM COVID-19 EM AMBIENTE
HOSPITALAR VERSÃO 01 – 31/03/2020. Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. FMUSP 2020.
Resolução CFM nº 1.779/2005, que regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2005/1779. Acesso em: 06/04/2020.