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Falta de reconhecimento no campo médico não apenas reflete a injustiça social, mas também tem implicações na qualidade do atendimento e nas oportunidades profissionais

Dados da divisão de Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores de 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que a parcela da população brasileira que se declara preta aumentou nos últimos 10 anos.

Em 2022, 10,6% dos brasileiros se declararam pretos, contra apenas 7,4% em 2012. No Centro-Oeste, 9,6% das pessoas se autodeclararam negras e 53% pardas. Apesar do crescimento registrado, o número de pessoas que se autodeclaram negras no Brasil ainda é pequeno, e na área da saúde, esse número não tem sido diferente.

Com base nas informações fornecidas pela Secretaria de Saúde do DF, um levantamento abrangendo o período de 14 de novembro de 2022 a 14 de novembro de 2023 revelou que, dos 251 médicos que optaram por autodeclarar sua cor, apenas 13 se identificaram como negros, enquanto 93 se autodenominaram como pardos. É importante observar que a autodeclaração não é um requisito obrigatório.

Um levantamento de Demografia Médica do Brasil, publicado em 2020, mostra que apenas 3,4% dos concluintes de medicina em 2019 se autodeclararam negros, 24,3% se declararam pardos e 67,1% se declararam brancos. Quando se trata da representatividade dessa população no campo da medicina, as estatísticas são notavelmente escassas, destacando uma lacuna significativa na produção científica sobre o tema. Esses dados sublinham a necessidade de um maior entendimento e conscientização sobre a diversidade na profissão médica.

Para a presidente do CRM-DF, Lívia Vanessa, a representatividade na área da saúde ainda é pequena. “A luta contra o racismo institucional é um esforço contínuo que envolve mudanças sistêmicas em instituições de saúde, educação e sociedade como um todo. O reconhecimento dessas dificuldades é crucial para promover uma cultura mais inclusiva e equitativa no campo da medicina”, relata.

Encontrar médicos negros trabalhando em hospitais e consultórios brasileiros ainda é algo pouco comum. Profissionais de saúde negros frequentemente enfrentam estereótipos e preconceitos no ambiente de trabalho. Desde a suspeita de competência até a falta de oportunidades de avanço na carreira, esses desafios podem criar barreiras significativas para o desenvolvimento profissional e o bem-estar emocional.

Discriminação no ambiente de trabalho, desafios na progressão de suas carreiras devido a desigualdades nas oportunidades, preconceitos, competência profissional questionada devido a estereótipos, agressões, entre outros problemas, são enfrentados por esses profissionais diariamente. O enfrentamento constante do racismo institucional, por exemplo, pode levar a pressões psicológicas significativas. As médicas e médicos negros podem se sentir isolados, sobrecarregados emocionalmente e sujeitos a estresse adicional no desempenho de suas funções profissionais.

Valorização e Encorajamento

A médica e conselheira Fabiane de Miranda Vasconcelos reforça que encorajar e apoiar a representatividade negra na medicina não é apenas uma questão de justiça social, mas é essencial para construir um sistema de saúde verdadeiramente inclusivo e eficaz. “A valorização da diversidade na profissão médica beneficia pacientes, profissionais de saúde e a sociedade como um todo, promovendo equidade e melhorando a qualidade dos cuidados de saúde prestados”, pondera.

A falta de representatividade negra na área da saúde é um desafio multifacetado que demanda ação imediata e contínua. É imperativo que instituições de ensino, hospitais e órgãos reguladores trabalhem juntos para eliminar barreiras e criar novas oportunidades. A diversidade na força de trabalho médica não é apenas uma questão de justiça social, mas também uma medida essencial para garantir a entrega de cuidados de saúde eficazes e acessíveis para todos.

A primeira médica negra a se graduar na Universidade de Brasília (UnB), a médica Denize Bomfim, relata que até 1991, havia mais de 6 médicos pardos, pretos e negros, mas que esse número era pequeno quando se tratava de mulheres negras. “Durante o curso médico não tive colegas pardos, pretos e negros na minha turma. Há mais negros e pardos do sexo masculino graduados, a questão de gênero é muito relevante na questão racial”, comentou.

Para a médica, ser a primeira mulher negra a graduar-se em uma Universidade Pública trouxe a consciência da necessidade de ser a melhor para minimizar o apagamento. “Escolhi a pediatria como especialidade e a neurologia infantil como área de atuação. É sempre muito desconfortável, até hoje, buscarem o médico ou a médica quando chamo para o atendimento ou abro a porta do consultório privado. É delicado perceber que não se atende às expectativas, e a construção de uma relação médico paciente se inicia muitas vezes com prejuízos. Contudo, a busca de reverter todas as dificuldades e cura desse processo, ao longo dos anos tem me permitido ganhar habilidades nas relações sociais com vistas à melhor assistência à pacientes e suas famílias”, descreve.

A médica relata, ainda, que em sua área de atuação não há como abordar e cuidar de crianças que sofrem racismo nas escolas e são encaminhadas para uma avaliação por baixo rendimento escolar, sofrimento psíquico e comprometimento da saúde mental. “A nossa população de rua adoecida é na sua maior parte negra e parda. Não há como qualquer médico assistir e dar o cuidado adequado sem essa atenção e olhar sensibilizado. O recorte racial é importante para estarmos mais vigilantes. A saúde de pequenos cidadãos, ainda na primeira infância, é compromisso assumido durante nosso juramento médico. Aos quatro anos de idade, eu já sabia que algo diferente acontecia e essa percepção me norteia até hoje”, concluí Denize.

Primeiros médicos negros no Brasil

Há quase 125 anos, em 1909, Maria Odília Teixeira, nascida em São Félix, Bahia, em 1884, foi a primeira médica negra do Brasil. Ela se formou em 1909 na Faculdade de Medicina da Bahia, sendo a sétima mulher a se formar em medicina na Bahia e a primeira no século XX. Maria Odília também foi a primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia. Maria Odília morreu em 1970, aos 86 anos.

O também baiano, nascido em Salvador em 1873, Juliano Moreira foi um dos primeiros médicos negros formados no Brasil e, frequentemente, é citado como um dos fundadores da psiquiatria no país. Entre os feitos do médico baiano, estão a humanização do tratamento de pacientes com transtornos mentais e o enfrentamento do racismo científico, uma vertente argumentativa que atribuía problemas de saúde às misturas étnicas.

Consciência Negra

Comemorando em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra surgiu por iniciativa do Grupo Palmares, fundado em 1971 por universitários negros em Porto Alegre. Entre os seus objetivos, um deles era refletir sobre a situação dos negros no Brasil. A importância da data está no reconhecimento dos descendentes africanos na constituição e construção da sociedade brasileira. Os principais temas que podem ser abordados no Dia da Consciência Negra são o racismo, a discriminação, a igualdade social, a inclusão do negro na sociedade, a religião e cultura afro-brasileiras.

Assista o nosso vídeo sobre o assunto clicando aqui.

 

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