A nova versão do Programa Mais Médicos, recentemente relançado pelo governo federal, não traz avanços em relação à versão original, além da garantia de licença maternidade e licença paternidade aos que nele ingressarem.

Em primeiro lugar é necessário ressaltar que o programa não cria vagas de empregos para médicos nas localidades que pretende atender. Os profissionais brasileiros que integrarem o Mais Médicos não terão direitos trabalhistas como tem qualquer outro trabalhador em emprego formal do País: nem adicional de férias nem remuneração por serviço eventual fora da jornada normal de trabalho, tampouco contribuição previdenciária patronal.

Essa participação se dá por meio de pagamento de bolsa de formação em modalidade de integração ensino-serviço, conhecida por residência. E, nesse ponto, um novo problema: os preceptores, responsáveis pela orientação nos programas de residência, no caso Residência Médica, devem necessariamente ter formação de especialistas na área em que orientam os residentes.

O programa estabelece um número de 28 mil participantes até o fim de 2023, sem considerar a disponibilidade desses especialistas para exercerem a função de preceptores. E estes são apenas cerca de 10 mil no Brasil, a maioria já comprometida com a assistência à saúde da população em regime de 40 horas semanais.

Também foi anunciada pelo ministro da Educação a retomada da abertura de novos cursos e expansão de vagas em cursos de Medicina. Desde a aceleração da abertura de novos cursos e novas vagas em cursos de Medicina, na primeira versão do Mais Médicos, o número de médicos no Brasil passou de 388.015 (outubro de 2012) para 566.199 (março de 2023). No entanto, a desigualdade na distribuição desses profissionais pelo território nacional permanece por falta de política adequada e efetiva de interiorização do Sistema Único de Saúde (SUS).

O ensino médico passou a ser dominado por empresas privadas que se concentram majoritariamente na Região Sudeste, tornando-se um nicho de mercado bilionário. Hoje, as vagas em cursos particulares de medicina representam quase 77% do total das vagas.

Na esteira desse crescimento do ensino médico na lógica de mercado, sem o devido investimento estatal na Residência Médica, surgem propostas dessas empresas privadas de formar especialistas fora do que é preceituado e legalmente reconhecido em nosso país. Isso representa benefício para o aumento do lucro das empresas em questão. Mas para a qualidade da formação profissional e do atendimento médico à população representa risco.

Cabe pontuar que a legislação brasileira determina ser obrigação dos conselhos profissionais a autorização, a fiscalização e o zelo pelo adequado exercício das profissões regulamentadas por lei. Cada conselho é responsável pela normatização, fiscalização e aplicação de disciplina aos profissionais neles registrados, o que só pode ser feito com a comprovação de sua formação, com apresentação de diploma, que precisa ser necessariamente reconhecido e válido no Brasil, de acordo com a legislação vigente.

O ingresso de pessoas sem diploma legalmente validado no Mais Médicos impede que os Conselhos Regionais de Medicina fiscalizem a atuação dessas pessoas ou apliquem as penas disciplinares cabíveis em caso de má atuação ou erro. Quem assegurará, nesse caso, a boa prestação de assistência aos pacientes?

Por isso, é necessário que todos os que queiram exercer a Medicina no País, se não foram formados por instituições com cursos autorizados pelo MEC, sejam aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, o Revalida.

É oportuno destacar que esse novo formato do Programa Mais Médicos não traz avanço em relação ao programa que existe atualmente, o Médicos pelo Brasil, o qual tem uma adesão maciça de médicos brasileiros.

O Médicos pelo Brasil tem a perspectiva de uma carreira com vínculo de trabalho celetista (direitos trabalhistas garantidos) e mais de 18 mil médicos já selecionados e aptos a começar de imediato a atender a população. Todos eles com a devida inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina, demonstrando ter formação profissional compatível com as condições sanitárias e epidemiológicas do País. O que faltou para essas contratações serem efetivadas foi dotação orçamentária.

Fica assim demonstrado que a necessária interiorização da medicina no Brasil  só depende da oferta de estruturas e condições de trabalho e salários adequados.

Entendemos que os avanços vistos no Médicos pelo Brasil (e não no novo Mais Médicos) foram grandes, mas não substituem o que vemos como a ação efetiva para a interiorização da Medicina de forma sustentável: a criação da carreira médica de Estado.

A carreira médica de Estado garantiria a perenidade da prestação de serviço público de saúde em todas as localidades, independentemente das mudanças de governo, seja no nível federal, estadual e distrital ou municipal. A população nunca ficaria desassistida.

Por último, é necessário destacar que a interiorização da assistência à saúde da população, e não só da Medicina, é uma necessidade não só no nível da atenção primária, mas também nos níveis de maior complexidade, porque é obrigação do Estado garantir a toda a população o acesso a toda a cadeia de cuidado do Sistema Único de Saúde.

As políticas públicas para enfrentar as desigualdades econômicas e regionais responsáveis pelos vazios assistenciais existentes devem ter foco na sustentabilidade e continuidade tanto quanto no respeito ao trabalhador da saúde que atuará na ponta do cuidado oferecido à população brasileira.

 

Academia de Medicina de Brasília

Associação Médica de Brasília

Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal

Sindicato dos Médicos do Distrito Federal

 

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