Autenticidade de Atestados Médicos
Brasília 31 de julho de 2019.
La Spezia é uma comune italiana da região da Ligúria, na cidade há um museu de sinetes situado na Palazzina delle Arti. O local é perfeito para se compreender as alternativas desenvolvidas pelos povos antigos para garantir testemunho de autenticidade, confidencialidade e segurança aos seus impressos.
Cilindros esculpidos em pedra, ou outros materiais, eram rolados para criar impressões em argila. Os roletes geralmente eram ocos e presume-se que os antigos os mantinham em corda ou corrente pendurados no pescoço. O hábito nasceu com a civilização humana no IV milênio a.C, às margens dos rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia. Os primeiros sinetes foram por milênios o principal método para convalidar leis, decretos, contratos, cartas e atestados.
Na Roma antiga, Caio dos Otávios, conhecido como Augusto, se valeu dos sinetes para selar documentos e cartas oficiais. Inicialmente, Augusto usou a imagem da esfinge; depois a efígie de Alexandre, o Grande, e finalmente a sua própria; a qual permaneceu nos séculos seguintes como o selo oficial do Império Romano.
Supostamente no ano de 1265, o Papa Clemente IV fez uso do Anel do Pescador, anulus piscatoris, como selo em uma carta escrita ao seu sobrinho, Pedro Grossi. Daquele momento em diante, o adorno passou a ser utilizado para selar todo o tipo de correspondência privada, para tal, bastava pressionar o anel sobre cera vermelha quente. A partir do século XV, o selo do anel se fez presente em documentos oficiais, costume que seguiu até o século XIX quando da sua substituição pelos carimbos.
A partir do século XX outros elementos de segurança foram se incorporando aos documentos públicos, especialmente em passaportes, carteiras de identidade, cédulas de dinheiro, cheques, certidões, diplomas, entre outros. Elementos como fios de segurança, papéis reativos, desenhos artísticos, numismática, microtextos, hologramas etc. Todavia, os documentos médicos, em especial os atestados, permaneceram exclusivamente com elementos rudimentares de segurança, quais sejam, o carimbo, a rubrica do emitente e o papel timbrado. Ou seja, estão como no século XIX! Noutras águas, os falsários têm a sua disposição impressoras laser, softwares de manipulação gráfica e a facilidade em reproduzir carimbos.
Tamanha insegurança, faz dos atestados médicos documentos de fácil e simples falsificação. No CRM-DF, anualmente, milhares de atestados são submetidos a processo de verificação de autenticidade devidas suspeitas aventadas por empregadores. Apenas no primeiro semestre deste ano, 2019, mais de 300 (trezentos) atestados foram apontados como falsos, acarretando prejuízos ao INSS, aos empregadores, às seguradoras e à sociedade em geral. Vivemos uma epidemia de documentos médicos falsos, apesar das tentativas de reprimenda desta Autarquia, das forças policiais, do Ministério Público e da ampla cobertura jornalística.
Certamente, os mesopotâmicos do IV milênio a.C. se surpreenderiam em saber que a segurança contemporânea dos impressos médicos no Brasil se dá com carimbos perfeitamente reproduzíveis em qualquer chaveiro, ou banquinha espalhadas pelos grandes centros urbanos. E não com a unicidade, identidade e exclusividade dos impressos pelos sinetes e roletes de gravação dos povos antigos.
Posto isso, urge discussão sobre elementos de segurança em documentos médicos que dificultem a falsificação, quer sejam digitais ou físicos, para a garantia da autenticidade e confidencialidade necessárias ao exercício profissional médico, atrelada a compulsória aposentadoria dos ineficientes carimbos do século XIX que ainda utilizamos nos dias hoje.
Referências:
$11. http://www.culturainliguria.it
$12. Bascapé, G. C: Sigillografia. Il sigillo nella diplomatica, nel diritto, nella storia, nell’arte. Volume I, volume II; Giuffrè, Milano 1969-1978.
$13. Sigillo, su thes.bncf.firenze.sbn.it, Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze
$14. Il sigillo nell’antichità. Introduzione. http://www.icar.beniculturali.it
$15. Sigillo, in Catholic Encyclopedia, Robert Appleton Company.
$16. Documentoscopia, o papel como suporte de documentos. 2015 Instituto de Criminalística – IC, Polícia Científica do Estado de São Paulo.
$17. https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2019/07/09/policia-do-df-investiga-venda-de-atestados-assinados-por-medicos-que-ja-morreram.ghtml
$18. https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/operacao-trackcare-investiga-emissao-de-atestados-medicos-falsos-no-df/
$19. https://www.metropoles.com/distrito-federal/atestados-falsos-policia-civil-vai-intimar-servidores-do-hrt
Dr. Crístofer Martins
Conselheiro do CRM-DF