À Medicina Compete a Inserção do DIU

Brasília, 19 de agosto de 2019.

 

Findada a Guerra da Criméia, Florence Nightingale, rompeu com as severas restrições sociais impostas às mulheres do século XIX e tornou-se a pessoa mais famosa da Inglaterra na era vitoriana, excetuada a própria Rainha Vitória1.

A “Dama da Lâmpada”, assim conhecida por valer-se daquele instrumento durante assistência noturna aos feridos de guerra, fundou e profissionalizou a enfermagem moderna, expandindo suas fronteiras para além dos primórdios de maternidade1.

No Brasil, a enfermagem científica e moderna é autônoma e serve a medicina e não aos seus atores2. É profissão definida pela Lei nº 7.498 de 1986, regulamentada pelo Conselho Federal de Enfermagem – COFEN e seus regionais conforme disposto na Lei 5.905 de 1973.

Por sua vez, a medicina é arte de curar mais antiga que a história, que a escrita e que a filosofia3, atingiu a modernidade ao ser capitulada pelo gênio de Cós, Hipócrates (460-370 a.C). Seu mérito foi iniciar a fase técnica com o surgimento da racionalidade médica. Hipócrates usou do método indutivo em um sistema integrado de diagnóstico, prognóstico e tratamento; baseou-se em causas e efeitos sedimentando o aprendizado pela experiência, inaugurando assim a atitude científica3.

Em nosso país, a medicina é regida pela Lei nº 12.842 de 2013, Lei do Ato Médico, e regulamentada, fiscalizada e disciplinada pelo Conselho Federal de Medicina – CFM e seus regionais, nos termos da Lei nº 3.268 de 1957.

*Conselheiros do CRM-DF

As duas profissões, a médica e a de enfermagem, estão no cerne da assistência à saúde. Labutam juntas e padecem lado a lado do caos, da violência e das más condições de trabalho, em especial, no Sistema Único de Saúde – SUS, onde são igualmente vítimas da ingerência e dos desmandos de um Executivo que, não raro, viola direitos, usurpa atribuições e desrespeita a lei.

Em 25/07/2019, de forma temerária, o Governo do Distrito Federal, divulgou o Protocolo de Acesso da Atenção Primária à Saúde do Distrito Federal. De acordo com o documento, estariam autorizados profissionais não médicos a exercer atividades privativas da medicina, como definir diagnósticos de doenças, indicar tratamentos e realizar alguns procedimentos invasivos por exemplo. Ou seja, o Protocolo delega competências privativas de médico à outras profissões, entre elas o procedimento invasivo de inserção de Dispositivo Intrauterino.

Sobre a Nota técnica n°5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, que trata do assunto “Colocação de Dispositivos Intrauterinos (DIU) por enfermeiros (as)”, emitida pelo Ministério da Saúde, resta claro que a promoção de garantias aos direitos sexuais e reprodutivos é aspecto fundamental na saúde pública. Dessa forma, deve-se oferecer métodos para o planejamento familiar de forma ampla e universal. A ampliação da oferta de inserção do DIU em mulheres no Sistema Único de Saúde, seguramente, é proposta que contribuirá para uma Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher.

Entretanto, o procedimento de inserção do DIU é invasivo e complexo, onde o dispositivo é introduzido dentro do útero através do orifício do colo uterino. O órgão é essencial e imprescindível para o processo de reprodução humana natural. Logo, no âmbito da consulta clínica, da qual decorrem solicitações de exames complementares e prescrições medicamentosas, são de responsabilidade médica a realização desses procedimentos.

É ponto pacífico na literatura médica que o procedimento não é isento de riscos e complicações, as quais devem ser prontamente identificadas e corrigidas. Dentre as conhecidas, destacam-se: perfuração da cavidade uterina, sangramento, perfuração da bexiga, lesões de alças intestinais, reação vagal, entre outras. Assim sendo, o procedimento de inserção do DIU e o tratamento de eventuais complicações que possam ocorrer na sua colocação, são atos privativos de médico, conforme preceitua o Art 4º da Lei Federal nº 12.842 de 2013.

As indicações do DIU de cobre (DIU TCu 380A) e sua inserção são referendadas pela FEBRASGO4. Cumpre reiterar que sua colocação configura ato médico e vale repetir a redação da Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, em seu Art. 4º inciso III e § 4º inciso III, como abaixo transcrita:

Art. 4º São atividades privativas do médico:

[…]

III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;

[…]

§ 4º Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:

[…]

III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos. 

Por conseguinte, resta claro que cabe exclusivamente ao médico a inserção de DIU de cobre. Sua participação presencial é obrigatória quando da colocação do dispositivo ou de quaisquer outras instrumentações invasivas que se façam na cavidade uterina. De outra parte, é importante registrar que nessas circunstâncias, e quando realizada por profissional médico, a inserção do DIU de cobre é bastante segura. Porém, não absolutamente isenta de riscos.

Pelos motivos acima expostos, associados às possíveis complicações da inserção do DIU de cobre DIU TCu 380 A, como perfuração e sangramentos, mister se faz registrar, que é essencial e fundamental ser o procedimento conforme reza a Lei do Ato Médico, ou seja, realizado privativamente por médicos.

Referências

$11.      Disponível em:  https://www.bbc.co.uk/programmes/b01sm714, acesso em 17/8/2019.

$12.      COSTA, Roberta et al. O legado de Florence Nightingale: uma viagem no tempo. Texto contexto – enferm. [online]. 2009, vol.18, n.4, pp.661-669.

$13.      Gottschall, C.A.M. Medicina Hipocrática: Antes, Durante e Depois. Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007.

$14.      Contracepção reversível de longa ação. In: São Paulo: Federação das Associações Brasileiras de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2016. 56 p. (Série, Orientações e Recomendações FEBRASGO; v. 3, n.1/Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção). 

 

 

Marcela Augusta Montandon                                         Cristofer Martins

         2ª secretária do CRM-DF                                      Conselheiro CRM-DF 

 

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